Uma interessante notícia foi publicada pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná em 06/05/2020. Nela se apresenta um conjunto de medidas sugeridas pelo Tribunal. Se considerarmos a potencial similaridade entre as administrações avaliadas e as outras dos demais Estados brasileiros; guardadas as devidas proporções e características próprias de cada uma, as sugestões dadas também servem aos demais, visto que se identificam problemas cadastrais comuns.

O artigo informa que “após procedimentos fiscalizatórios realizados pela Coordenadoria de Auditorias (CAUD) do Tribunal de Contas do Estado do Paraná como parte do Plano Anual de Fiscalização (PAF) de 2019 da Corte, os conselheiros do TCE-PR homologaram as 37 recomendações feitas nos relatórios resultantes das iniciativas, as quais consistiram na verificação da regularidade do gerenciamento orçamentário praticado por nove municípios paranaenses.”

“O trabalho teve como foco a avaliação da legalidade, dos fluxos e dos controles da gestão da receita pública dos entes auditados, contemplando inclusive questões relacionadas à concessão de incentivos ou benefícios dos quais decorram renúncias de receitas. Os analistas da CAUD estiveram em Andirá, Bandeirantes, Capanema, Guaraniaçu, Lapa, Marmeleiro, Realeza, Salto do Lontra e Tapejara.

Como resultado, os servidores do TCE-PR encontraram dez impropriedades, que resultaram na sugestão da adoção de 37 medidas, por parte dos gestores, para solucioná-las .... Os membros do órgão colegiado do Tribunal acompanharam, de forma unânime, o voto do relator do processo e presidente da Corte, conselheiro Nestor Baptista, aprovando integralmente os relatórios de fiscalização da unidade técnica. A decisão, tomada na sessão de 11 de março, está expressa no Acórdão nº 590/20 - Tribunal Pleno, publicado no dia 18 do mesmo mês, na edição nº 2.261 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).”

Dentre as 37 recomendações, várias são relativas à questão cadastral, destaco e comento aqui algo dos três primeiros títulos destas sugestões, recomendando ao leitor acessar o conteúdo total através do link abaixo.

São as seguintes

Desatualização das representações geométricas das parcelas territoriais contidas no perímetro urbano do município.

Desatualização da base alfanumérica do cadastro territorial municipal.

Deficiências no controle de acesso e de edições da base de dados do cadastro territorial municipal.

https://m.tce.pr.gov.br/noticias/noticia.aspx?codigo=7824

Estas sugestões (as 37) nos remetem ao crônico problema cadastral brasileiro ou, melhor explicando, aos problemas decorrentes da falta de um inventário sistemático, geodésico (geométrico) e atualizado das parcelas de terra (imóveis, etc.) e respectivos proprietários, bem como de sua adequada e contínua gestão e interconexão com o registro de imóveis. Este cadastro territorial ou simplesmente cadastro como definido pelas instituições internacionais e países que o adotam por mais de século, também vem sendo batizado de georreferenciamento por vezes. É um instrumento que adquire maior importância ainda no contexto das chamadas cidades inteligentes, pois não se pode prescindir de uma inteligência territorial.

Vale lembrar que cadastros territoriais demandam organização, visão de longo prazo e resiliência. Por ser de longo prazo é necessário um plano adequado, regras básicas, definidas desde o início e capacidade de adequação ao longo do tempo, sem perder o objetivo. Sem cair nas tentações das extremas simplicidades, tampouco na perseguição de ideais fora da realidade, mas construindo bons alicerces que possam suportar toda uma edificação, bem planejada para execução em etapas racionalizadas. As gerações seguintes saberão reconhecer os esforços.

Várias são as razões (e desculpas) para ainda não termos algo bem mais sistematizado em meio urbano no Brasil. Por outro lado há cerca de 20 anos esta condição também se estendia ao meio rural. Embora ainda haja um longo percurso para termos um cadastro rural completo, hoje temos sim um caminho bem estabelecido e ele (o cadastro para o meio rural) está em construção e aprimoramento desde então.

Para que saíssemos do estágio rural anterior, quando então uma grande maioria das parcelas registradas era (nas melhores hipóteses) localizada vagamente e, então, buscássemos construir um cadastro territorial rural, no qual as parcelas progressivamente passam a ser localizadas acuradamente, identificadas na superfície terrestre e correlacionada a seu proprietário (ou possuidor em fase de regularização ) e direitos, foram necessárias leis e normas técnicas específicas para iniciar. Estes são imprescindíveis passos de primeiro momento, que são aprimorados com o desenvolvimento e criam o ambiente para as transformações.

Como podemos ver, nas três recomendações acima, se levanta o problema das desatualizações: geométrica (geodésica) e dos dados sobre a propriedade, bem como da deficiência de controle de acesso e edições, constatando-se, uma vez mais, que em termos urbanos estamos na contramão daquilo que se define como um cadastro territorial. Carecemos de injunções mais fortes neste meio, do que as recomendações presentes.

Os cadastros territoriais não podem ser tratados sob um exclusivo ponto de vista tributário, sua finalidade vai além. Ainda no século passado, sua utilidade alcançou um espectro mais amplo de finalidades no âmbito municipal. Adequadamente mantido, integrado, complementado e gerido, permeia e contribui com informações espaciais essenciais a toda a administração. Informações espaciais fidedignas e atualizadas são um importante ativo no planejamento e na gestão dos processos públicos ou privados. A atual amplificação de suas utilidades vem demandando então o uso do termo cadastro territorial multifinalitário.

Vê-se um esforço de parte dos municípios que promovem levantamentos aerofotogramétricos (ou com outras tecnologias) buscando formar uma base de informações cadastrais. O resultado primeiro destes projetos se concentra na base fiscal, atualizando a percepção da administração sobre o uso e a ocupação do solo, melhorando sua base cadastral para arrecadar o Imposto de Propriedade Urbana (IPTU). Como os municípios estão geralmente em condição muito desatualizada (em geral acima de 50%), o recurso recebido com a regularização dos impostos cobre com muita folga os custos do levantamento cadastral e, geralmente, no mesmo ano fiscal. Mas o esforço acaba perdendo eficiência, em pouco tempo.

Como apontam as constatações do TCE do Paraná, a ineficiência na gestão das informações faz com que se retorne no estágio anterior em um período curto. A cidade possui dinâmica. As administrações encontram dificuldade em manter o que foi elaborado, por razões como falta de reinvestimentos no cadastro, políticas de atualização ou evasão de mão de obra capacitada com o projeto executado. Poucos acabam mantendo o rumo em longo período.

Outro fator preponderante reside numa fase básica, na pouca consistência de projetos de cadastro territorial, decorrente da prática da licitação pela modalidade de menor preço, em detrimento da melhor técnica e preço, de que faz jus, devido a sua complexidade.

A segunda modalidade exige análise qualitativa e bom preparo técnico prévio do contratante. Requisitos que grande parte dos munícipios carece nesta questão. Por outro lado a administrações não podem se considerar isentas e justificados nesta responsabilidade, porque existe a possibilidade de consultorias, tanto particulares quanto públicas através de convênios com universidades e instituições. Existem também linhas de financiamento para o desenvolvimento de projetos e capacitação (PMAT, desde 1997), bem como a possibilidade de consórcios entre municípios para racionalizar custos.

Outros aspectos tecnológicos comumente presentes nos editais chamam a atenção para imperícias que conduzirão a vários problemas de execução e gestão. Dentre eles se verificam as fragilidades no aspecto cartográfico, etapa importantíssima do cadastro.

Sistemas cadastrais territoriais dependem de uma base cartográfica capaz de suportar a captura de dados e a modelagem da realidade por longo período. Esta base cartográfica requer manutenção periódica e programada para acompanhar a dinâmica de uso e ocupação do solo da cidade, necessidades de planejamento, de projetos e de obras, que vão ocorrer e entre levantamentos cadastrais georreferenciados gerais.

Neste período o município deve ser capaz prover manter sua capacidade de suporte geodésico oficial imediato aos levantamentos gerais, bem como aos menores, que ocorrem rotineiramente e cujos dados podem também ser usados para atualizar ou complementar a base cartográfica municipal.

Uma rede de marcos geodésicos, amplamente distribuída pelo município, além do suporte aos levantamentos georreferenciados periódicos deve proporcionar maior economia de recursos, viabilizando que outros levantamentos sejam georreferenciados também possam integrar a base de dados cadastrais (inclusive a multifinalitária) , se forem respeitados padrões já normalizados pela ABNT, desde meados da década de 1990. De outra forma, os levantamentos que são realizados rotineiramente no município (projetos, retificação de área, entre eles) têm uso limitado, porque seu potencial de aproveitamento se perde depois de satisfeito o um objetivo primário.

Desde 1998 está publicada e disponível a NBR 14 166:1998 - Rede de Referencia Cadastral Municipal rede de referência Cadastral Municipal (RRCM) – Procedimento. Voltaremos a RRCM em outro artigo neste espaço.